segunda-feira, 9 de maio de 2011

Meio ambiente, novo Código Florestal Brasileiro.

As propostas de mudança na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 causam intensos debates no Congresso Nacional. As principais controvérsias: manutenção de Reservas Legais (RLs) de 80% no Bioma Amazônico e de 35% no Cerrado presente na Amazônia Legal e a extinção, em todos os Biomas do País, das restrições legais ao uso econômico de Áreas de Preservação Permanente (APPs) nos topos de morros e às margens dos cursos d’água.

Trata-se de uma disputa histórica. De um lado, ruralistas defendem a diminuição do percentual de RLs. Querem, ainda, modificar-lhes a destinação, o que permitiria o plantio de monoculturas, a exemplo do Dendê. No outro lado, setores do Governo Federal e do movimento ambientalista defendem a aplicação irrestrita do Código Florestal e da Lei de Crimes Ambientais, já regulamentada.

Percebe-se que o enfoque dos atores envolvidos é a efetividade de RLs e APPs. Limitam-se ao aspecto territorial da questão: presença ou não de áreas especialmente protegidas em propriedades privadas ou públicas. Com esse enfoque, pouco se reflete sobre a eficácia desses importantes mecanismos de realização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput, da Constituição do Brasil).

A distinção entre efetividade e eficácia é relevante. Efetividade é a real observância dos percentuais de RLs, além do respeito às metragens fixadas para APPs. Eficácia, no entanto, é aqui entendida como a possibilidade desses percentuais e metragens realizarem as funções socioambientais previstas no Código Florestal em vigor. Vejamos algumas dessas funções. RLs são necessárias ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas. As APPs têm as funções socioambientais de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, de proteger o solo e de assegurar o bem-estar das populações humanas.

Não é difícil percebermos o conteúdo semântico dessas funções socioambientais, a motivação do legislador ao estabelecer parâmetros coerentemente recepcionados pelo artigo 225 da Constituição Brasileira. No polêmico debate sobre as reformas do Código Florestal a dificuldade consiste em se estabelecer limitações eficazes ao direito de propriedade.

A despeito do embate político-econômico, somente especialistas podem dimensionar essa eficácia. O resultado de pesquisas científicas deve, necessariamente, informar decisões políticas. Isso porque a eficácia está atrelada à realização do mencionado direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mais complexo que as dicotomias público x privado, cidade x campo, produção x conservação, pequeno x grande produtor rural. Eficácia é um conceito refratário às disposições arbitrárias e exige superarmos o plano da existência, da forma. É necessário ultrapassar a percepção meramente documental de RLs e APPs, para que se alcance o conteúdo e real utilidade desses mecanismos.

Não é tarefa fácil, entretanto. As pesquisas sobre o tema são escassas e não apresentam resultados animadores. Os cientistas, além de condenarem a averbação de RLs em ilhas, circundadas por monoculturas, ou a exploração econômica de matas ciliares e topos de morros (espécies do gênero APP), sugerem que nem mesmo os percentuais e metragens atuais seriam suficientes. Jean Paul Metzger afirma que, em regiões de Mata Atlântica, simulações baseadas na teoria da percolação apontaram que somente a conservação de 59,28% da vegetação original permitiria a determinadas espécies transitarem protegidas. Insuficiente, assim, os atuais 20% de RLs no Bioma. Essa é a resposta a apenas uma pergunta científica, associada a uma das funções das Reservas Legais (abrigo e proteção de fauna nativa).

Outros estudos demonstraram que a proteção de 30 metros ao longo das margens de cursos d’água, APP mais comum no Brasil, não é suficiente para evitar a contaminação da água por agrotóxicos. Nesse contexto, como defender, por exemplo, a constitucionalidade do novo Código Florestal Catarinense? Em março deste ano, a Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina desconsiderou evidências científicas e aprovou a redução dessa espécie de APP para apenas 5 metros nas margens de cursos d’água que tenham até 10 metros de largura. A decisão tem óbvios contornos políticos, sem qualquer parâmetro ou justificativa técnica.

Conclui-se que a discussão limitada à existência, à efetividade de RLs e APPs nos Biomas Brasileiros, pretere a compreensão de seus conteúdos e de suas funções. Não basta debatermos politicamente percentuais e metragens. Necessitamos admitir a complexidade dos processos produtivos e a diversidade das áreas rurais brasileiras para adequá-las às funções socioambientais da propriedade. A pesquisa científica, proveniente das ciências exatas e humanas, pode delimitar os aspectos positivos do Código Florestal vigente e definir critérios regionais para a manutenção de RLs e APPs. Dessa maneira teremos, num futuro desejado, a eficácia do Código Florestal Brasileiro, grau diferenciado de realização do equilíbrio ambiental e direito de todos

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